TEXTO: ZEMA RIBEIRO
FOTO: ROSANA BARROS
Ao adentrar o Teatro da Cidade de São Luís, em vez de à plateia, o público é direcionado a uma área lateral, um largo corredor, por cujas portas de vidro se vê a Rua do Egito.
O piso de ladrilho hidráulico está tomado por copos plásticos, sujos de batom. Beijados, melhor dizendo.
O performer – ou dançarino, se preferirem – caminha tranquilamente em meio ao mar de plástico. Traja tênis, bermuda e uma camisa cor de rosa. Tenta falar ao celular, mas “o número chamado encontra-se fora da área ou desligado”.
Senta-se. De um saco de lixo – há vários pelo recinto, de onde ele espalhará ainda mais copos descartáveis “na imundície do pátio” – saca uma batata frita “de pacote” e um refrigerante. Senta-se em meio ao público e come e bebe com tranquilidade.
O artista se deita. Um copo simula um lápis, ou pincel, e com ele, o desenho do próprio corpo no chão – como a perícia faz em situações de acidentes e crimes.
Música ruim invade o ambiente. Uma exala machismo por todos os versos. Yuri Azevedo dança. Outra, versos de puro consumismo. Yuri Azevedo dança. Bebe uma cerveja. Comenta que pesquisas comprovam que, contaminada pelo plástico, a água ingerida pelo homem afeta seu desempenho sexual.
Despe-se. Veste roupas de nadador. E mergulha na maré de copos descartáveis. Nada, nada, mas não morre na praia. Convida diversos espectadores para, num telefone feito de copos descartáveis, contarem-lhe sobre situações em que se sentiram descartadas ou descartaram algo ou alguém.
Alguns encaram o desafio e relatam experiências as mais diversas: um, que o primeiro beijo, era fruto de uma aposta de uma menina com uma colega para ver quem beijava mais garotos; outra, era asmática na infância, e sempre era excluída das brincadeiras, propositalmente escolhidas sempre de correr.
Outros passavam o copo ao vizinho de plateia. Nem todos têm coragem de se expor, de se despir tão facilmente. Corpo descartável leva o público a uma reflexão sobre a efemeridade e o vazio das relações – entre pessoas e destas com os objetos –, do consumismo desenfreado e do que o futuro nos reserva, quando começa a faltar água e sobrar lixo.