O que se viu no palco montado na Praça Nauro Machado, na noite de abertura da 7ª Mostra SESC Guajajara de Artes, foi um espetáculo vibrante de música, com a diversidade de ritmos e sotaques que estão no imaginário da cultura nordestina. A performance dos artistas presentes, junto com a espontaneidade do público presente no evento, contagiou a todos, proporcionando uma catarse coletiva, que nem mesmo o susto de um blackout da energia elétrica conseguiu conter.
Ao final do cortejo
dos diversos grupos artísticos que percorreram as principais ruas do centro de
São Luís, a programação musical da Mostra teve início com o Grupo TCI de Idosos
do SESC, apresentando a dança “Xangô Caô”, que fez um apanhado das danças e
ritmos presentes nos cultos afro-brasileiros. Em seguida, o grupo
artístico-pedagógico GAMAR, formado por crianças e adolescentes da escola
municipal Maria José Aragão, na Cidade Operária, contaram a mística história da
lenda do Boqueirão.
A dança de rua foi
representada pela Companhia Street Master de Dança que contagiou a todos com
coreografias rápidas e sincronizadas ao som do hip hop. O grupo é bastante
conhecido na cidade, tendo sido premiado em diversos festivais de dança. Um
tambor de crioula encerrou as apresentações de dança e deu espaço para que as
bandas começarem os shows musicais. “Fiquei impressionado com a apresentação do
grupo e foi uma surpresa encontrar essa diversidade de ritmos aqui no Maranhão,
como o tambor de crioula, que é muito vibrante também”, disse o engenheiro
agrônomo Diogo Araújo, turista vindo de Brasília.
Por volta das 20h30, subiu ao palco a Raiz Tribal. Com um repertório de músicas autorais e alguns clássicos do reggae de radiola, a banda fez um show empolgante e mostrou que “filho de peixe, peixinho é”. Alguns integrantes da banda são filhos dos músicos da famosa Tribo de Jah. Gil Enes, vocalista da banda, aproveitou o momento para homenagear os 400 anos de São Luís, ressaltando a beleza da cidade e sua especial relação com reggae. O público vibrou quando o grupo tocou o “Melô do Superman”, do compositor Tarrus Riley, um dos clássicos do repertório dos clubes de reggae da cidade.
De peito desnudo e muita
atitude, o músico Beto Ehongue e a banda Canelas Preta foi abrindo espaço com
suas sonoridades multiculturais. O repertório do show foi uma prévia do CD do
compositor, que está em fase de gravação. Canções como Lavadeira (premiada em festival de reggae), Inna Boreal, Rosa Semba e
Ela kiss um beijo meu, já conhecidas
do público que o acompanha, ganharam arranjos mais sofisticados e metalizados.
A expectativa de Beto em participar da Mostra era grande, especialmente porque
iria dividir o mesmo palco com outros dois grupos nordestinos com opções
estéticas semelhantes. “Acaba sendo uma vitrine pra todos nós participar da
Mostra Guajajara, não só porque é um espaço pra gente apresentar nosso
trabalho, mas também porque a gente acaba conhecendo outros artistas e esse
intercâmbio de informações e arte é sempre muito bom”, disse Beto Ehongue.
Na plateia, estava a
cantora Dicy Rocha, uma das principais intérpretes das composições de Beto e
que também já participou de outras edições da Mostra. Ela reafirma a opinião do
compositor. “Eu lembro que participar do evento, ano passado, possibilitou pra
mim bons encontros musicais, como foi com o DJ Marcelinho da Lua, que se
interessou em fazer algo junto logo depois que cada um viu o trabalho do outro
durante uma das noites da Mostra. E é muito bom termos essas iniciativas até
mesmo como formação de público que sempre está muito interessado em
experimentar bons shows e bons espetáculos”, comentou.
Beto Ehongue, que tem
forte identificação com as culturas indígenas e suas musicalidades, também fez
seu protesto a favor da etnia Guarany-kaiwá.
Nordeste musical desvelado
Após a apresentação
dos artistas maranhenses, a expectativa era grande pela viagem mística e
musical dos músicos paraibanos Chico Correa e a banda Cabruêra, que fizeram o
público ir ao delírio com seus repertórios cheios de referências nordestinas e
eletrônicas.
Chico tocou
acompanhado do vocalista Jonathas Falcão, que fizeram uma reinvenção de estilos
tradicionais, como o repente, a embolada, o coco e o baião, entrecruzando os
ritmos com batidas eletrônicas, como o drum’n’bass, beats e samplers. A
apresentação foi marcada pelo improviso e pela comunicação rápida com o
público.
O formato mais
reduzido da Eletronic Band do Chico Correa não limitou a empolgação do público,
nem mesmo às possibilidades sonoras que a mesa de som de um DJ pode oferecer.
Chico é músico com formação erudita em violão e também toca guitarra. Ele
defende a ideia de que o DJ é um músico como qualquer outro que executa um
instrumento musical e que, cada vez mais, essa diferença está se ampliando em
possibilidades sonoras, com os avanços das tecnologias musicais. O que ficou
evidente no show é que essa diferença se concentra na inventividade do DJ que
tem a inteligência de concatenar sonoridades e ritmos em suas proximidades. Na
hora de dançar, o público também reinventava os passos, ora fazendo passos de
coco, ora remexendo o corpo acompanhando os movimentos pulsantes das batidas
eletrônicas.
Em determinado
instante a relação público e artista se inverteu, ou melhor, se complementou. Léo
Marinho, da Cabruêra, pegou a guitarra e resolveu se juntar ao DJ. Algumas
figuras e personagens habituais das festas alternativas no Reviver resolveram
fazer suas performances espontâneas em frente ao palco e pareciam ser mais um
grupo convidado da programação do evento. Era o prenúncio da catarse coletiva
que o público começava a experimentar se sentido parte de uma grande comunidade
musical alternativa.
Após o show do Chico
Correa, um susto: um blecaute em toda a cidade apagou as luzes do Centro
Histórico. Parecia um sinal místico, uma preparação para a experiência sonora
que o público receberia naquela noite. Nada que um plano B da equipe técnica do
evento pudesse resolver em pouco tempo com o uso de um gerador de energia.
Quando o vocalista
da Cabruêra, Arthur Pessoa, pegou o microfone e chamou todo mundo pra dançar,
não teve quem ficasse parado. Com presença de palco intensa e promovendo um
jogo rápido de fraseados, improvisos e emboladas, os “cabras” do grupo
paraibano comprovou que a banda sabe dos segredos que as músicas nordestinas
trazem consigo, é o mistério da arte pela sobrevivência e suas influências
espirituais.
Em conversa com o
baterista do grupo, Pablo Ramires, ele explicou que o mais recente trabalho é
um pouco o resultado das experiências espirituais que os músicos da banda já
tem há algum tempo. Arthur Pessoa é um dos organizadores do “Encontro para a
consciência”, evento que acontece anualmente em Campina Grande (PB), durante o período
do Carnaval, reunindo pessoas das mais diversas seitas e cultos religiosos
promovendo um grande encontro ecumênico e espiritual.
O último trabalho da
banda, “Nordeste Oculto”, é mais o resultado destas experiências espirituais e
musicais, quando o grupo teve contato com o músico Alberto Marsicano, pioneiro
no uso da cítara no Brasil. O CD concentra sonoridades múltiplas e acaba
provocando no ouvinte um jogo multirreferencial de estilos musicais,
estimulando as possibilidades de narrativas diversas do imaginário que as
canções trazem consigo.
Toda essa carga
mística e as coincidências dos imprevistos e improvisos da noite foram
resumidos e sentidos por quem esteve presente na noite de abertura da Mostra
SESC Guajajara de Artes ao darem-se as mãos, todos, numa animada e contagiante
ciranda puxada pelo vocalista do Cabruêra, que promoveu um verdadeiro encontro
de culturas e energias. O show ainda reverbera no corpo de quem esteve por lá.
Texto: Alberto
Júnior
Fotos: Phillipe Aragão | Taciano Brito |
Fotos: Phillipe Aragão | Taciano Brito |