26 de out. de 2012

O universo sonoro nordestino desvelado pelos paraibanos na noite de abertura da 7ª Mostra SESC Guajajara de Artes








O que se viu no palco montado na Praça Nauro Machado, na noite de abertura da 7ª Mostra SESC Guajajara de Artes, foi um espetáculo vibrante de música, com a diversidade de ritmos e sotaques que estão no imaginário da cultura nordestina. A performance dos artistas presentes, junto com a espontaneidade do público presente no evento, contagiou a todos, proporcionando uma catarse coletiva, que nem mesmo o susto de um blackout da energia elétrica conseguiu conter.


Ao final do cortejo dos diversos grupos artísticos que percorreram as principais ruas do centro de São Luís, a programação musical da Mostra teve início com o Grupo TCI de Idosos do SESC, apresentando a dança “Xangô Caô”, que fez um apanhado das danças e ritmos presentes nos cultos afro-brasileiros. Em seguida, o grupo artístico-pedagógico GAMAR, formado por crianças e adolescentes da escola municipal Maria José Aragão, na Cidade Operária, contaram a mística história da lenda do Boqueirão.







O grupo circense HUHUHU, um coletivo de artistas que convivem em comunidade alternativa num casarão localizado na Rua das Hortas, em São Luís, aproveitou o momento para apresentar a surrealista performance “O voo dos pássaros”. Com roupas que lembravam bichos, plantas e outros elementos da natureza, o grupo fez um protesto a favor dos índios Guarany-kaiwá, que ameaçaram se suicidar nesta semana por conta do pedido judicial de desocupação de terras. “Todo nosso processo de criação é orgânico, espontâneo e colaborativo. Aproveitamos o momento para chamar a atenção das pessoas para a importância de estarmos conectados com a natureza, e o caso dos índios no Mato Grosso é uma questão muito séria e importante”, explicou Célida Braga, integrante do grupo HUHUHU.


A dança de rua foi representada pela Companhia Street Master de Dança que contagiou a todos com coreografias rápidas e sincronizadas ao som do hip hop. O grupo é bastante conhecido na cidade, tendo sido premiado em diversos festivais de dança. Um tambor de crioula encerrou as apresentações de dança e deu espaço para que as bandas começarem os shows musicais. “Fiquei impressionado com a apresentação do grupo e foi uma surpresa encontrar essa diversidade de ritmos aqui no Maranhão, como o tambor de crioula, que é muito vibrante também”, disse o engenheiro agrônomo Diogo Araújo, turista vindo de Brasília.







Por volta das 20h30, subiu ao palco a Raiz Tribal. Com um repertório de músicas autorais e alguns clássicos do reggae de radiola, a banda fez um show empolgante e mostrou que “filho de peixe, peixinho é”. Alguns integrantes da banda são filhos dos músicos da famosa Tribo de Jah. Gil Enes, vocalista da banda, aproveitou o momento para homenagear os 400 anos de São Luís, ressaltando a beleza da cidade e sua especial relação com reggae. O público vibrou quando o grupo tocou o “Melô do Superman”, do compositor Tarrus Riley, um dos clássicos do repertório dos clubes de reggae da cidade.


De peito desnudo e muita atitude, o músico Beto Ehongue e a banda Canelas Preta foi abrindo espaço com suas sonoridades multiculturais. O repertório do show foi uma prévia do CD do compositor, que está em fase de gravação. Canções como Lavadeira (premiada em festival de reggae), Inna Boreal, Rosa Semba e Ela kiss um beijo meu, já conhecidas do público que o acompanha, ganharam arranjos mais sofisticados e metalizados. A expectativa de Beto em participar da Mostra era grande, especialmente porque iria dividir o mesmo palco com outros dois grupos nordestinos com opções estéticas semelhantes. “Acaba sendo uma vitrine pra todos nós participar da Mostra Guajajara, não só porque é um espaço pra gente apresentar nosso trabalho, mas também porque a gente acaba conhecendo outros artistas e esse intercâmbio de informações e arte é sempre muito bom”, disse Beto Ehongue.


Na plateia, estava a cantora Dicy Rocha, uma das principais intérpretes das composições de Beto e que também já participou de outras edições da Mostra. Ela reafirma a opinião do compositor. “Eu lembro que participar do evento, ano passado, possibilitou pra mim bons encontros musicais, como foi com o DJ Marcelinho da Lua, que se interessou em fazer algo junto logo depois que cada um viu o trabalho do outro durante uma das noites da Mostra. E é muito bom termos essas iniciativas até mesmo como formação de público que sempre está muito interessado em experimentar bons shows e bons espetáculos”, comentou.



Beto Ehongue, que tem forte identificação com as culturas indígenas e suas musicalidades, também fez seu protesto a favor da etnia Guarany-kaiwá.



Nordeste musical desvelado

 


Após a apresentação dos artistas maranhenses, a expectativa era grande pela viagem mística e musical dos músicos paraibanos Chico Correa e a banda Cabruêra, que fizeram o público ir ao delírio com seus repertórios cheios de referências nordestinas e eletrônicas.



Chico tocou acompanhado do vocalista Jonathas Falcão, que fizeram uma reinvenção de estilos tradicionais, como o repente, a embolada, o coco e o baião, entrecruzando os ritmos com batidas eletrônicas, como o drum’n’bass, beats e samplers. A apresentação foi marcada pelo improviso e pela comunicação rápida com o público.



O formato mais reduzido da Eletronic Band do Chico Correa não limitou a empolgação do público, nem mesmo às possibilidades sonoras que a mesa de som de um DJ pode oferecer. Chico é músico com formação erudita em violão e também toca guitarra. Ele defende a ideia de que o DJ é um músico como qualquer outro que executa um instrumento musical e que, cada vez mais, essa diferença está se ampliando em possibilidades sonoras, com os avanços das tecnologias musicais. O que ficou evidente no show é que essa diferença se concentra na inventividade do DJ que tem a inteligência de concatenar sonoridades e ritmos em suas proximidades. Na hora de dançar, o público também reinventava os passos, ora fazendo passos de coco, ora remexendo o corpo acompanhando os movimentos pulsantes das batidas eletrônicas.



Em determinado instante a relação público e artista se inverteu, ou melhor, se complementou. Léo Marinho, da Cabruêra, pegou a guitarra e resolveu se juntar ao DJ. Algumas figuras e personagens habituais das festas alternativas no Reviver resolveram fazer suas performances espontâneas em frente ao palco e pareciam ser mais um grupo convidado da programação do evento. Era o prenúncio da catarse coletiva que o público começava a experimentar se sentido parte de uma grande comunidade musical alternativa.



Após o show do Chico Correa, um susto: um blecaute em toda a cidade apagou as luzes do Centro Histórico. Parecia um sinal místico, uma preparação para a experiência sonora que o público receberia naquela noite. Nada que um plano B da equipe técnica do evento pudesse resolver em pouco tempo com o uso de um gerador de energia.



Quando o vocalista da Cabruêra, Arthur Pessoa, pegou o microfone e chamou todo mundo pra dançar, não teve quem ficasse parado. Com presença de palco intensa e promovendo um jogo rápido de fraseados, improvisos e emboladas, os “cabras” do grupo paraibano comprovou que a banda sabe dos segredos que as músicas nordestinas trazem consigo, é o mistério da arte pela sobrevivência e suas influências espirituais.



Em conversa com o baterista do grupo, Pablo Ramires, ele explicou que o mais recente trabalho é um pouco o resultado das experiências espirituais que os músicos da banda já tem há algum tempo. Arthur Pessoa é um dos organizadores do “Encontro para a consciência”, evento que acontece anualmente em Campina Grande (PB), durante o período do Carnaval, reunindo pessoas das mais diversas seitas e cultos religiosos promovendo um grande encontro ecumênico e espiritual. 



O último trabalho da banda, “Nordeste Oculto”, é mais o resultado destas experiências espirituais e musicais, quando o grupo teve contato com o músico Alberto Marsicano, pioneiro no uso da cítara no Brasil. O CD concentra sonoridades múltiplas e acaba provocando no ouvinte um jogo multirreferencial de estilos musicais, estimulando as possibilidades de narrativas diversas do imaginário que as canções trazem consigo.



Toda essa carga mística e as coincidências dos imprevistos e improvisos da noite foram resumidos e sentidos por quem esteve presente na noite de abertura da Mostra SESC Guajajara de Artes ao darem-se as mãos, todos, numa animada e contagiante ciranda puxada pelo vocalista do Cabruêra, que promoveu um verdadeiro encontro de culturas e energias. O show ainda reverbera no corpo de quem esteve por lá.



Texto: Alberto Júnior
Fotos: Phillipe Aragão | Taciano Brito |